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quarta-feira, maio 23

Adolpho Bloch - 2


Um impressor da oficina dos Blochs tinha um filho que era maquinista do trem que ia para Bieloie-Tserkvi. Ele se mostrou disposto a levar uma outra irmã de Adolpho, chamada Sabina, até lá a fim de trazer seis sacos de trigo. Tiraram as cortinas italianas do apartamento para fazer os sacos. Sabina sentou-se junto ao maquinista, na locomotiva que era a carvão. O trem apitava a cada dez minutos anunciando a partida, mas não saía do lugar. No fim de seis dias, ela finalmente recebeu a notícia de que o trem não ia partir. Voltou para casa com a cara suja de carvão, sem os sacos que lhe foram roubados e com os rins afetados, pois durante os seis dias ela não podia ir ao banheiro com medo de perder a viagem.

Os Blochs desceram na estação anterior à Odessa e foram em frente, até o rio Dniester, em um local onde havia grandes plantações de milho. E lá acamparam esperando o momento propício para atravessar o rio e atingir a Bessarábia. Em uma noite de luar ouviram cerrado tiroteio. Souberam depois que várias famílias que desejavam atravessar o rio haviam sido fuziladas. Veio um mensageiro que os alertaram do perigo. Deviam esperar uma noite de lua nova para tentar a travessia. Isso levaria muitos dias. A sede era horrível, embora a água estivesse a menos de 200 metros. Bebiam gotas, quando podiam.

Finalmente, atravessaram o rio Dniester em uma noite muito escura. Do outro lado os esperavam carroças de palha de milho. Homens barbados e experimentados, vestidos com camisas ucranianas bordadas no peito e nos pulsos, arrumaram-os na parte da frente das carroças, junto aos cavalos, em grupos de três ou quatro pessoas. Na fronteira, os guardas enfiavam enormes garfos na palha. Adolpho ouvia o barulho do ferro na palha mas estava longe, no outro canto da carroça. E assim chegaram a Dobreven, já na Bessárbia. Sairam felizes, com restos de palha nos cabelos e nas roupas. Entraram em um casebre pequeno, onde o chão era de terra batida. Foi ali que Adolpho conheceu a aramatchka iv joper lhubit lest, flor típica da região. E provaram um prato inesquecível, típico da Romênia: o mameligue (angu de fubá). Consagrou-se como um dos pratos mais deliciosos já comido por Adolpho Bloch, pois para ele representava o prato da liberdade. Ali permaneceram uns dias e depois rumaram para o porto de Galátz. Ficaram em um hotel perto do cais. Adolpho gostava de ver as enormes barricas de arenque que exportavam. Aquele região era muito rica.

Semanas depois, embarcaram em um pequeno navio que atravessou o rio Constança, o mar Negro, o mar de Mármara. Fizeram uma escala em Constantinopla. Era 8 de outubro de 1921. Naquele dia, Adolpho Bloch completava 13 anos e estava preparado para fazer o seu Bar Mitzvah. Saiu do barco e, como falava um pouco de francês, informou-o sobre a sinagoga. Era do outro lado do Bósforo e ele precisava atravessar a ponte, pagando meia piastra de pedágio. Ele não tinha esse dinheiro, mas fora escoteiro na Rússia e conhecia alguns truques. Havia um turco na entrada da ponte chacoalhando seu fez cheio de moedas. Adolpho decidiu correr e o turco não o conseguiu pegar.

Foi à sinagoga. Era dia de semana e havia pouca gente. Falou com o shames (bedel), explicando que estava fazendo 13 anos naquele dia e tinha direito ao seu Bar Mitzvah. Ele o consolou, desejou-lhe felicidades e o abençoou em turco; mas, em compensação, o shames lhe deu trabalho. Adolpho voltou ao navio pela ponte, passando por uma rua onde apreciou lojas de filatelia. Gostou muito de ver selos de todo o mundo. Quando chegou ao porão do navio, onde viviam mais de cem pessoas, encontrou a sua gente. Todos o comprimentaram e foi assim que ele comemorou os seus 13 anos. Mas não pôde deixar de lembrar, naquele dia, o seu tio Jorge, irmão de seu pai. Sempre lhe prometendo que, ao fazer 13 anos, ele o levaria à casa das meninas, na Rua das Maravilhas, 27.

Chegaram finalmente a Nápoles, onde passaram alguns meses, vivendo no cais e nas ruazinhas onde as roupas brancas penduradas parecem bandeiras de paz. Ali conheceu a miséria rica. Mais tarde, conheceria a riqueza miserável. Dois pratos de espaguete bastavam para alimentar a família. Quando via pessoas em restaurantes ou bares comendo enormes pratos, ele não podia imaginar que aquilo algum dia podeira acontecer consigo mesmo.

Em dezembro de 1921, iniciaram a viagem rumo ao Brasil. Foram de trem até Gênova, atravessando quase toda a Itália e passando por Roma. Já eram vistos os cartazes anunciando a era de Mussolini. Em Gênova, embarcaram na terceira classe do Red'Italia. Do Brasil, Adolpho só conhecia a fotografia que havia no consulado brasileiro de Nápoles: era o canal do Mangue, com suas lindas palmeiras e o rio no meio. Aquela imagem o perseguiu durante toda a viagem. Naquela época, o dinheiro tinha valor. As classes (primeira, segunda e terceira) eram bem diferenciadas. Ele via de longe os passageiros de primeira classe, que pareciam viver em um palácio de luxo. Na terceira, a mesa era farta, coletiva, parecendo-se com um piquenique. As suas irmãs, acostumadas a um certo luxo, estranharam o elevador da terceira classe: era o guincho das mercadorias. Mas eram jovens, cheios de esperança e sabiam que o Brasil os daria a oportunidade de emigrar para os Estados Unidos. Esse era o desejo e todos diziam que era mais fácil obter os vistos no Brasil.


Continua.
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Fonte: Rede Manchete

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