Saindo de Gênova, um dia depois chegaram a Barcelona. Todos os passageiros podiam descer a terra, menos os de terceira classe. De lá, rumaram para Dancar. Foi a primeira vez que viu negros. Eram crianças simpáticas, falando francês. Os passageiros jogavam moedinhas na água e os garotos mergulhavam para apanhá-las, um espetáculo habitual que fazia parte das distrações da viagem.
Chegando ao Brasil, no início de 1922, a família Bloch instalava-se na cidade do Rio de Janeiro. De bagagem, trouxeram a saúde. Como riqueza, um pilão. Foram morar no Andaraí-Leolpoldo. Achava a cidade muito interessante. Vendia-se tudo na rua: peixeiros com suas varas apoiadas nos ombros, levando as grandes caçambas onde o peixe parecia ter saído naquele instante do mar. O dono do armazém logo oferecia o seu caderno de fiado (sem correção monetária) e as amostras de excelentes sardinhas Vasco da Gama, bacalhau, manteiga, era uma vida diferente. O padeiro, o homem do botequim, todos queriam ajudar. Só se pagava no fim do mês. Isso cativou os Blochs para sempre.
O Brasil se preparava para comemorar o Centenário da Independência e Adolpho freqüentava a Escola Francisco Cabrita, na Rua Major Ávila, perto da Praça Saenz Peña. A professoara chamava-se Carmem, achava-me muito grande e sabido para freqüentar aquela turma. Mal ela sabia que ele estava apaixonado por ela. E em muitas noites ela lhe vinha em sonhos.
Foram depois para a Rua Conselheiro Costa Pereira, 45, nos fundos da Fábrica de Tecidos Corcovado. Em frente passava um canal. A casa tinha uma sala e dois quartos pequenos. No verão, os Blochs costumavam dormir de janelas abertas. Eram, então 10 pessoas e uma empregada mineira, chamada Aurora, uma alma nobre. Obrigava-os a contar para ela os nossos sonhos para fazer sua fé no bicho. Jogando 200 réis ela podia ganhar 1.400. com isso ela fazia a feira, depois do meio-dia, omprando as xepas. À noite, o guarda-noturno apitava, apitava e uma de suas irmãs ia à janela e convidava-o a verificar o que podia ser roubado da casa onde viviam. O guarda ficou amigo da família e às vezes trazia coisas para alegrar o jantar. Ele os ensinou a usar luz sem pagar à Light. Bastava uma moeda de 400 réia que se colocava no lugar do fusível. De dia, retiravam a moeda. Para o fiscal da Light, diziam que quando tivessem dinheiro mandariam ligar a luz de novo. O problema eram as lâmpadas. Muitas vezes tiveram que trocar a lâmpada de um cômodo para outro, porque não tinham condições de ter três lâmpadas. Era luxo demais.
A mãe de Adolpho, um pouco religiosa, rodas as sextas-feiras acendia duas velas para festejar o shabat. Aurora aprendeu rapidamente apreparar todas as comidas típicas. Adolpho já falava um pouco de português, tanto que um dia sua irmã Bella teve dor de garganta e o Adolpho foi levá-la à Santa Casa. Serviu de intérprete e mostrava ao médico a região da dor. Finalmente compreenderam, levaram Bella e lhe arrancaram um dente.
Vieram novos vizinhos: Adauto Lúcio Cardoso e seus irmãos, que haviam perdido o pai em Curvelo e vinham tentar a vida no Rio. Adauto e o tio Jorge de Adolpho eram seus companheiros de bonde. Quando o cobrador se aproximava, tilintando as moedas, o tio Jorge permanecia imperturbável, fingindo que lia o jornal. O cobrador insistia. O tio Jorge voltava-se para ele e perguntava aborrecido: "Outra vez?".
Adolpho e sua família começaram a trabalhar com pequenas máquinas manuais. Ganhavam para viver. A tragédia era aos domingos, quando o próprio Adolpho queria ir ao Cinema América para ver O Corcunda de Notre Dame. Tinha de lavar a camisa e esperar secá-la ao sol e ao vento para poder ir ao cinema. Depois ia à Confeitaria Tijuca e ficava apreciando as meninas. Foi assim que começou a conhecer a gente brasileira. Quando ouvia o português, falado de longe, tinha a impressão que era o russo. O tempo passava e chegavam às batalhas de confete que precediam de três meses o carnaval. As lâmpadas eram penduradas no meio da rua, as casas se enfeitavam, o confete, a serpentina e o lança-perfume eram armas para se conquistar uma namorada.
Os Blochs haviam sido despejados da Rua Pereira Nunes, uma sensação muito triste que Adolpho teve ao ver uma carroça levando todos os móveis da casa. Dez anos depois, foi à Rua Pereira Nunes, esquina de Barão de Mesquita. No lugar, havia um café, cujo dono era um português. Pagou-o tudo o que devia. O homem ficou emocionado e o brindou com um banquete: sabia que Adolpho gostava de pão com sardinha e guaraná. Ficaram amigos para sempre.
Depois da Rua Pereira Nunes, os Blochs foram morar na Souza Franco, quase esquina do Boulevard 28 de Setembro, no coração de Vila Isabel, o mais famoso Ponto de Cem-Réis. Já tinham instaladas duas pequenas máquinas impressoras movidas a mão e imprimiam seu cartão de visita: Joseph Bloch & Filhos - Tipografia - Rua Vieira Fazenda, 24. Não tinham telefone. Em frente, havia a quitanda de dona Maria, uma mulher bondosa que ensinou seu papagaio a falar, todas as vezes que o telefone dela tocava para eles: "Joseph Bloch & Filhos! Telefone!" Foi o primeiro secretário eletrônico que Adolpho Bloch conheceu e nunca exigiu nenhum contrato de trabalho. Quando sobrava algum dinheiro, trazia-lhe um pacote de sementes de girassol. E ele, agradecido, pulava para o seu ombro.
Continua.
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