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terça-feira, outubro 25

Mais Do Mesmo


Ofereço aos meus críticos mais uma boa oportunidade de sentirem-se vencedores.

Descia displicente a Rua da Aurora, em meio ao passar dos adeptos de caminhadas de final de tarde no Parque das Rosas, quando ouço o meu nome. Voltei-me e lá estava o Martinez. Magro, estático, longilíneo e pálido como uma coluna neoclássica. Mas ainda exibindo o velho riso que a muitos contagiou. Não o via há meses e a nossa última conversa não fora das melhores. Na verdade desde quando decidi afastar ao Martinez do meu circulo de amigos, as nossas conversas se caracterizam pela absoluta falta de relevância.  Ele deu alguns passos em minha direção e estendeu-me a mão.

Cumprimentamo-nos e eu ativei o modo “atenção”. As perguntas eram as de sempre e as suas respostas curtas entre tossidas e pigarros.  Falou de sua vida ruim, do abandono em que foi relegado e de como se sente mal e frustrado com a vida que leva. Por um momento me pareceu verdadeiro. Mas o modo “atenção” ainda estava ligado e eu apenas observei que algumas de nossas escolhas não são fáceis. Olhei para o relógio e respondi sim, à sua pergunta sobre estar apressado e iniciei um caminhar lento. Acompanhou-me até quando parei junto ao automóvel. Ele respirou fundo e perguntou o que eu já esperava:

“Cara... você pode me emprestar algum dinheiro? Não precisa ser muita coisa Dez Reais está bom para mim.”

“Está com fome? Posso me atrasar um pouco, podemos passar na Lilo e comemos algo.”

“Não estou com fome. Nem sede... Faz tempo que não sei o que é uma cerveja. Eu só preciso do dinheiro.”

“De verdade, não tenho dinheiro aqui comigo...” Antes que ele iniciasse mais uma de suas longas tentativas de convencimento, eu adiantei o velho discurso da pouca necessidade que tenho de carregar valores. Sentia não poder ajudá-lo, já que não dispunha mais que algumas moedas que sempre esqueço nos porta-trecos do carro e que muito provavelmente não chegavam a um terço daquilo que desejava. Ensaiei uma despedida e ele me reteve.

“Bom, seja quanto for pode me ajudar, me empreste as moedas... Pelo menos fica mais fácil conseguir o restante com outro conhecido.”

Ergui as sobrancelhas, circundei o veículo e entrei convencido de que nenhum argumento, nenhuma recusa iria demovê-lo da idéia de pedir, de insistir em conseguir um centavo que fosse. Juntei todas as moedas que havia nos nichos do painel, voltei à calçada e depositei em suas mãos. Ele sorriu, sentou-se na guia e espalhou as moedas sobre as lajotas e pôs-se a separá-las em pilhas de valores iguais. Percebi naquele instante que para ele, ali não eram apenas moedas de metais diferentes e valores diversos, mas algo além disso, com um sabor mágico de conquista, de poder de compra de um momento para ele especial. Permaneci ali observando-o até que me fitou e sorriu ao dizer que ultrapassara os tais Dez Reais que precisava. Perguntou-me se queria as moedas restantes. Disse-lhe que não e que todas eram suas. Ele voltou às contas. A partir dali eu não mais existia. Ele estava só. Quase um estranho que pouco lembrava a figura alegre de meu primeiro amigo nesse lado do mundo. Contava e recontava em gestos quase infantis as pequenas pilhas de moedas de dez, vinte e cinco, cinqüenta centavos... Finalmente as depositou em bolsos separados, estendeu-me a mão, que apertou fortemente.

“Crack?” Perguntei. Não que tivesse alguma dúvida de que toda aquela insistência anterior fosse para juntar alguns trocados para o vício que o destrói. Creio que só para ter noção da grande bobagem que eu fizera.

“Eu vou parar.” Não havia certeza naquela resposta e no fundo dos olhos nenhum brilho. Era mais uma de suas respostas automáticas. “Obrigado Aaron!” Disse dando um leve tapa em meu ombro e saiu em direção às estreitas ruas do Alto da Torre. Eu permaneci parado observando o seu caminhar até que ele desaparecesse. Voltei ao automóvel com a sensação de mais uma vez ter contribuído para a sua ruína.


Foto - Blog Ilust

3 comentários:

Otto disse...

O Martinez infelizmente é um caso perdido. Ele não quer se ajudar.

As vezes eu vejo ele no Campus e sempre me evita. Ele sabe que eu vou falar duro e coisas que ele não quer ouvir.

Franco Mermoz disse...

É triste ver alguém se deixar destruir. Tenho amigos que entraram nessa e estão afundando cada dia mais um pouco.

Gustavo Dias Gonçalves disse...

Aaron você fez o certo agiu pelo bem dele, com o coração. Nesse estado não há muito que fazer. Rezar para que encontre o caminho da luz, é o que possa fazer.