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quinta-feira, novembro 10

Eu E O Mar Oceano...


Nascido no meio de araucárias, que brotam nas montanhas do Paraná, poderia eu ter-me tornado um homem com os pés plantados em terra firme. Um pesquisador, como o meu avô paterno que se embrenhava pelos contrafortes da serra em busca de pequenos pedaços de rochas e cristais que, depois de minuciosamente catalogados, eram orgulhosamente expostos em uma estante, na sala onde recebia os amigos. Se olhasse para além da serra, poderia ter seguido os passos do outro avô e aprendido a amar a arte de cavalgar, o prazer de ver sair da terra escura a vida em verdes folhas. Ele era um homem que adivinhava a chuva com um simples olhar no céu, que observava as sementes postas na palma de sua grande mão, como que se ali estivesse um grande tesouro.  

Dessa época de geologia e agronomia eu trago muitas lembranças. Histórias fantásticas de descobertas e sonhos. Um tempo em que fui um pequeno soberano de um reino imaginário e lá iniciei minhas primeiras conquistas, para depois dominar o Mar Oceano que se abre desde as Colunas de Hércules e que um dia engoliu Atlântida.

Eu caminhava com meus pequenos passos, como quem afaga, suavemente, a pele de um animal desconhecido. Ouvidos atentos ao estalar de cada galho seco quebrado sob o meu pisar. Os olhos acompanhavam a folha amarelada que caía rodopiando e pousava sobre milhões de outras... mortas, secas, marrons. Um passo a mais e um susto... debaixo daquela folhagem escapou veloz um roedor e revirou a camada invisível, onde as folhas se tornam negras antes de virar adubo. Recompondo-me, pus a mão no tronco de uma árvore velha. Seu caule frio e esverdeado soltava pedaços de sua enrugada e envelhecida pele... de lá, formigas caminhavam sobre a minha mão. Vermelhas e velozes, subiam-me pelo braço e provocavam-me risos. Afastei-as com a ponta dos dedos e voltei ao meu rumo. Um tronco caído no chão não suportando o peso de meus pés, desintegrou-se em mil pedaços, expondo uma enormidade de atrapalhados besouros negros de longos chifres. Aprisionei um, e o retive pelas patas. Procuro seus olhos, não os vejo... seria cego? Imaginei. Soltei-o ao vento e vi-o desaparecer nas folhas acima de minha cabeça. Um passo... dois passos... três passos, e eu virei soldado. Rapidamente me intitulo general. Sigo marchando em cadência naquela mata que agora era minha a eu já me tornara o senhor da selva! O Rei daqueles pequenos seres... 

Uma borboleta displicente passa diante do meu nariz coberto de pequenas bolhas de suor... imóvel, acompanho seu voar com os olhos... ergo rapidamente o braço em sua direção para capturá-la, mas, inadvertidamente, destruo a longa e fina teia de uma aranha, que estatela-se ao chão. Observo-a. Lentamente ela dá um primeiro passo... começa a andar para o lado. E eu a sigo, da mesma forma... ela acelera, eu também. Esperta, deu a volta no caule do pinheiro. Corri. Ela não estava mais ali... Dei de ombros e continuei a conquista da minha nova terra. Ao longe por entre caules e folhas ouvi um barulho. Inimigos! Dez... doze passos e me protejo atrás das folhas de uma palmeira. Aguardo, ansioso, a passagem dos exércitos que invadiam o meu Reino, armado com a minha atiradeira. Apareceram!  Tiro do bolso minha melhor pedra de fogo e, lentamente, por ente as folhas de uma samambaia, dou um tiro certeiro. O projétil atinge o meu alvo. Assustado ao olhar ao redor e nada ver, o guri invasor some por entre as sombras das árvores baixas. Orgulhoso da vitória, sigo em passos firmes e decididos a conquistar novos horizontes. Um par de xaxim emoldura a entrada da trilha que leva ao barranco, a pedra escura lavada pela água transparente e fria, me serviu de trono. Decidi que ali seria o meu salão real! Não tardei a receber honras... das colunas formadas pelos troncos das araucárias, um vôo de dezenas de borboletas surgiu para me reverenciar e pousar à margem do regato cristalino abrindo e fechando suas frágeis e coloridas asas. Um lagarto desceu de seu ramo, saudou-me com sua cabecinha achatada e eu lhe sorri de volta. Os raios do sol derramavam-se em longos fachos, clareando arbustos que explodiam em mil verdes diferentes... algumas flores amarelas que atraíam abelhas. O meu nome soou repetidas vezes, multiplicando-se, enchendo o ar até então silencioso. Ergo-me, lanço um último e orgulhoso olhar sobre os meus domínios. Estava tarde, e eu teria de voltar para o reino do meu pai, ou seja, a minha casa. Pelo caminho, despediam-se meus súditos... o vôo rasante de um besouro verde, o bater de asas de um casal de mariposas ao redor das folhas largas. Antes de me retirar, ainda pude ver o desfile triunfal dos meus exércitos de formigas vermelhas, com seu passo apressado e silencioso. Feliz, ouvi o canto de muitos pássaros enquanto pegava a minha bicicleta. Subi o barranco pedalando e dei com a pequena estrada de terra que marcava o fim da terra dos homens e o início do Reino do Menino da Lua. 
  
Por anos esse foi o meu universo de sonhos. Mas quis a vida que um dia eu recebesse a notícia de que ultrapassaria as fronteiras do Reino dos Homens e ao final isso me transformou em um conquistador. 

Mar Oceano - Cap I - Leco Schain


Nota - Mar Oceano é um livro. Publicado originalmente em capítulos na internet, especificamente no site Jornaleco da jornalista Mécia Rodrigues. Jornalista a quem tive o prazer de conhecer e que muito me ensinou e certamente sem o seu apoio eu jamais teria iniciado esse livro.

À Mécia Rodrigues tenho muito que agradecer e a me desculpar. Passado tanto tempo da minha saída do projeto, jamais tive a oportunidade de dizer-lhe o quão sou grato pela sua ajuda, carinho e compreensão. Sei que minhas idiotices levaram à minha saída e que algumas atitudes, hoje, eu credito muito à minha antipatia e arrogância.

2 comentários:

Kléber Bandeira disse...

Foi no Jornaleco, da Mécia Rodrigues, que descobri o seu livro e acompanhei as suas aventuras. Gostava muito daquele menino metido, curioso e amoroso que você dava vida.

Achei bonito de sua parte a inlusão da nota de rodapé. Mostra coragem e amadureimento. Reconhecer os erros eas próprias falhas é um sinal de crescimento e evolução. Parabéns.

Thaise Viana disse...

Muito bom! Quero ler o resto. :)
Anda sumido demais, menino. Estamos esperando você por aqui.

Beijos!