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sexta-feira, outubro 21

O Ônibus Dos Horrores


Hoje acordei com espírito fraternal e solidário. Não ria, tenho dias assim, não sou de todo mau. 

Então, tomado por uma aura angelical cedi o carro para o Enzo. Ele passaria o dia na cidade e precisava realizar alguns contatos, encontrar-se com o comando da ONG e finalmente ir buscar o Luiz no aeroporto. De minha parte teria um dia cheio e preso no LAB, fui acordado com a notícia de mais um encalhe de Jubarte, iria acompanhar o resgate. E portanto não faria mesmo uso do automóvel.   Evidentemente que estava cheio receios, não minto. Se fosse católico teria rezado um rosário! Passei os meus números de telefone, o cartão da seguradora, as chaves e o vi afastar-se. Meu coração apertou. Que seria do carro?

As notícias vindas desde a base de Areia Branca, onde a baleia encalhara, não eram das melhores. Outra hora eu detalho o que se passou no litoral norte. Ocorreu que tive de me deslocar, contrariando as minhas expectativas e tive de tomar o serviço vergonhoso de ônibus da cidade.

Andar de ônibus é uma aventura social, me disseram... ou li. Não importa.

O fato é que eu tomei o famigerado 057 junto à estação do Relógio do Sol e é por isso que decido registrar duas situações muito interessantes ocorridas nessa viagem de horrores.


Entrei, paguei, sentei e abri uma revista. Seguem-me duas gurias, na casa dos vinte anos, sentam uma posição a minha frente, falam alto devido ao barulho do ônibus (que nem era tanto, motor externo. Presumo tratar-se de mais uma mania local: berrar)  tinham um sotaque carregado e agudo, capaz de fazer o Beethoven desejar a surdez! Uma delas queixava-se do amante e conta, em um tom mais baixo, mas não o tanto quanto seria necessário, o que se passou. A outra exalta-se e diz: "Você tem sangue de barata?! Se imponha, o homem não pode chegar assim e créu! Direitos iguais, greve nele, minha filha!”

Eu ri. Não me contive. Não foi um riso alto, nem uma gargalhada, mas o maldito do 057 acabara de parar no Estação dos Hospitais. De imediato elas se deram conta e voltaram-se como nadadoras de nado sincronizado em minha direção. Enfiei a cara na revista para ouvir da sindicalista: “Que nojento! Escutando a nossa conversa!!”. Levantaram-se e seguiram para o fundo do ônibus de onde não mais as ouvia.

O onibus segue e para na Estação Metropolitana. Ergo a vista e me assusto, parecia estouro de boiada, ainda me pergunto porque não se faz uma estúpida fila nesses lados dos trópicos...  Atropelos, afobações e as clássicas frases: "Ó faizôfavor, chegue mais para trás". "'Tá com pressa? Passa por cima". "Ai meu pé, merda!"  "Não empurrem, não empurrem, cabe todo mundo". "Com licença, com licença, com licença".  

Passado o furacão todos se acomodam, é quando percebo uma voz infantil ao meu lado: “Olha só mãe, dois negão” Dizia um piá com pouco mais de seis anos, com o dedo em direção a dois rapazes, provavelmente angolanos ou guineenses. A mãe o repreende e me olha sem graça.  “Esse menino me mata de vergonha” Diz virando o rosto da criança em direção oposta aos dois rapazes. Não demorou muito e o piá se transforma em uma metralhadora. “Mãe olha o Fusca Velho!” “Mãe olha a gorda!” “Mãe olha aquele homem feio!” “Mãe eu vi um ceguinho!”. A mãe só falava pára, seguido de beliscões, puxões de cabelos e ameaças. Nunca vi criança tão politicamente incorreta!

Foi quando ele olhou para mim. Congelei!


“Mãe, olha!!” Me apontou o danado do dedo e ameaçou aproximar-se, num instinto de preservação dei uma visível recuada, foi quando a mãe segurou o pequeno Demônio da Tasmânia. Ele então, cochichou em seu ouvido. Coloquei-me em posição de alerta máximo. Como não parava de me olhar, decidi fazer o mesmo e olhei-o por um tempo bem serio e acabei sorrindo, quem sabe ele mudaria de foco. Voltei à revista. De rabo de olho monitorava os passos do pequeno que não parava de me fitar. Ele estica o pescoço e dispara: “O que é isso?” O dedo estava me ameaçando. Fiz-me de morto, virei a página. “Mãe olha o chapeuzinho dele!” Acho que até quem estava na traseira do ônibus olhou, tamanho foi o berro do piá! “Posso ver?” E antes que eu respondesse... “Mãe eu quero um desse! Deixa eu ver!” Disse puxando o meu braço (Esse ver no dialeto local é igual a pegar, é uma mistura de visão e tato. Hábito terrível e incorporado ao viver local). Olhei para mãe com um não na cara. E para a minha surpresa ela diz: “Deixa ele ver só um pouquinho” Não adiantaria explicar que nem um tornado tiraria aquela kipah da minha cabeça, então disse: “Sinto muito senhora, não posso.” E o choro começou, seguido de pernadas e mais puxões de cabelo e ameaças de morte. 

Lancei um olhar na direção dos rapazes, um fazia sinal de negativo, o outro sorriu. A mãe indignada com a minha falta de humanidade, pediu para trocar de lugar com um senhor, que atendeu. Ao longe ainda ouvi seus reclames de falta de compreensão e simpatia.

E a viagem continuou, desci na Estação do Portugal Center e a primeira visão que tive foi de uma vitrine de informática. E pensei como seria útil a tecla delete para determinados tipos de mães.

Fotos - HK Bus

4 comentários:

Gustavo Dias Gonçalves disse...

Tenso hein.

Leco disse...

Hahahahah divertido, foi ao final, Gus.

Mike disse...

Que aperto hein hahahahaha!!!

Leco disse...

É. Foi uma doideira Mike. Hahaaha