Subscreva:

Pages

segunda-feira, julho 2

Jodensavanne


Joddensavanne Vila Principal

O antigo território de Jodensavanne e o cemitério em Cassipora são um testemunho único e marcam uma etapa importante na colonização euro-sefardita do continente americano.

Jodensavanne foi no século XVII o maior assentamento judaico no hemisfério ocidental e sua sinagoga, uma imponente construção erguida com tijolos trazidos da Europa e agora em ruínas, é um marco de importância arquitetônica única na América. Não somente pelo fato de ser das mais antigas de todo o continente, mas também por se constituir em um lembrete do pioneirismo no judaísmo americano. 

Jodensavanne foi o primeiro e também único lugar no Novo Mundo, onde os judeus viveram de maneira semi-autônoma, podendo por um largo período de tempo exercer atividades em regime total de liberdade econômica, cultural e religiosa. Judeus fugindo da Inquisição espanhola foram acolhidos no Suriname, primeiro pelos britânicos e mais tarde pelos holandeses, para desenvolver e possuir terra ao longo do rio Suriname. A fim de atrair colonos judeus, o governo colonial ofereceu privilégios especiais, incluindo a liberdade de religião, liberdade de propriedade e o direito à sua própria corte judicial. Os mercadores judeus eram especialmente desejados nas rodas comerciais da época, por seus conhecimentos sobre o comércio internacional e isso facilitou em muito a vida da comunidade. 

História

Os primeiros judeus a se estabelecerem na região chamada Jodensavanne – Savana dos Judeus – data de 1630, porém a origem daqueles homens e mulheres é desconhecida. A primeira menção oficial de colonos judeus chegando ao Suriname de maneira organizada e oficial remonta ao ano de 1650 a partir de Barbados com o aval do Governador-Geral da Índias Ocidentais Inglesas o senhor Francis Willoughby Parham.  Algumas fontes observam que Willoughby convidou a maioria deles para fortalecer a economia da plantação de cana-de-açucar. Os judeus também chegaram para o Suriname a partir do desmantelamento de Pomeroon, que foi a colônia holandesa do Essequibo (hoje, República da Guiana). 

Os Brasileiros

Comerciantes franceses abriram um centro comercial em Sinnamary, em 1624, e outro em Caiena, fundada em 1637, que foi logo ocupada pelos holandeses e lá permaneceram até o ano de 1664, quando voltou às mãos dos franceses. Nesse ano, oriundos de Caiena, cerca de 200 judeus sefarditas chegaram ao Suriname, que ainda estava nas mãos dos ingleses. Originalmente eram judeus que viviam no Nordeste do Brasil e que de lá se retiraram logo após Portugal comprar o Nordeste da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas. O líder desse grupo era David Cohen Nassy, um converso, que teve os apelidos duplos de José Nuñez de Fonseca e de Christovão Távora, quando cristão-novo. Nassy viveu no Brasil holandês e mais tarde tornou-se um "patroon" (profissional colonizador), um cargo criado pela Companhia das Índias Ocidentais Holandesas em 1629 para incentivar a colonização do Novo Mundo. Ele foi um dos primeiros homens engajados nos esforços de colonização judaica nas Américas. Os patroons eram os líderes administrativos e judiciais dessas colônias. 

O objetivo de Nassy era estabelecer assentamentos para judeus sefarditas, muitos dos quais seus companheiros de época do Brasil Holandês, que como ele, haviam sido cristãos-novos antes de voltar abertamente à fé judaica em suas terras de refúgio. As conversões forçadas dos judeus ao cristianismo (na Espanha em 1391 e em Portugal em 1497) deram origem ao fenômeno do cripto-judaísmo, em que católicos de origem judaica continuaram a se identificar como judeus ou secretamente praticavam o judaísmo.

Autonomia e Progresso

Em 1665 todos os judeus passam a ter privilégios importantes dentro do governo Inglês colonial: a livre expressão da religião e da permissão para construir uma sinagoga, a liberdade de propriedade, o direito de ter seu próprio tribunal judicial, do sistema educacional e o direito de ter uma milícia própria. No mesmo ano, a população judaica conseguiu um pedaço de terra perto do Creek Cassipora para construir uma sinagoga e um cemitério. Pouco depois, a comunidade mudou-se para uma colina com vista para o rio Suriname,onde a vila que viria a ser o núcleo principal da Jodensavanne foi fundada. Os holandeses através da Companhia das Índias Ocidentais chegam ao poder após as sucessivas guerras anglo-neerlandesas e decidem manter os privilégios concedidos pelo governo anterior. Os judeus já desenvolviam a região interior e estavam ocupados com a agricultura, especialmente da cana. Mas plantavam ainda o café, cacau e algodão ao longo dos rios. Além de uma expressiva indústria madeireira.  

Vista da face oeste da sinagoga "Bracha veShalom". Litografia "Vue de la Savanne des Juifs sur la Riviere de Suriname", PJ Benoit, "Voyage A Suriname, La Haye, 1839

Em 1685 a sinagoga, chamada Beraha VeShalom (Bênção e Paz), foi inaugurada. Antes dessa consagração, não existia no Novo Mundo qualquer sinagoga com aquele tipo de estrutura e disposição, era a principal construção do vilarejo, erguida em sitio próprio e destacada dos demais edifícios. A Beraha VeShalom era feita de tijolos vindos da Holanda, assim como o seu projeto arquitetônico. Vale lembrar, que em Recife houvera a Kahal Zur Israel (Congregação Rochedo de Israel) que foi a primeira sinagoga das Américas e que funcionou em Pernambuco durante o período de dominação holandesa (1630 a 1657), porém, essa tinha outra disposição arquitetônica, inseria-se na continuidade do casario da Rua dos Judeus. 

A Nação

Em Jodensavanne os judeus receberam a oportunidade de viver suas vidas como um enclave religioso-cultural autônomo. Ali, os judeus aproximaram-se do sonho de auto-jurisdição em um "reino" próprio, um dos únicos exemplos antes da fundação do moderno Estado de Israel, onde os judeus da diáspora haviam alcançado autonomia política. Em 1683, com a chegada do primeiro governador do Suriname, o Sr. Van Sommelsdijck, Joddensavanne despontava como um dos principais centros urbanos da colônia. Na época, em Paramaribo eram encontradas vinte e cinco casas e uma fortaleza.  Em Thorarica (que era ainda a capital do Suriname), cem casas e em Jodensavanne, sessenta casas e um posto de comando da milícia. Em 1684 além de judeus e escravos, alguns índios livres formavam a população da vila. Viviam também europeus não judeus em pequena parcela. Naquele ano, os judeus eram um quarto da população européia do Suriname. Numa fase posterior, chegou também um grupo de judeus alemães (Ashkenazi). Muitos vieram por casamento, outros chamados por amigos ou parentes.

No final do século XVII, o assentamento agrícola de Jodensavanne, possuía mais de 40 fazendas com engenhos produtores de açúcar. Em 1730 o Suriname tinha cerca de 400 fazendas, das quais 115 estavam em posse da comunidade judaica. Além de seu papel econômico importante, a comunidade também fazia parte da proteção das plantações da colônia contra invasores e também do movimento dos escravos rebeldes, os "Bosnegers" (que significa literalmente "negros da floresta"), quilombolas que estabeleceram várias tribos independentes e muitas vezes invadiam as fazendas e plantações para recrutar novos membros, adquirir mulheres, armas, comida e suprimentos. Nas imediações do assentamento estava o posto de abastecimento militar 'Post Gelderland', um dos principais da linha de defesa "Cordonpad '. Essa linha consistia de um caminho de uma de largura considerável, com postos militares em intervalos regulares. 

O Desenvolvimento e o Fim

A comunidade prosperou durante um século, período em que fez da colônia do Suriname em uma das mais ricas nas Américas. Durante os dias de glória a população de Jodensavanne em parte financiou a instalação da sinagoga da Congregação O Shearith Israel em Manhattan, Nova York (Estados Unidos da América). Em 1674 eles enviaram 8.000 quilos de açúcar, destinadas a servir como o dote para as filhas de um certo J. Brandon, em Amsterdã. A riqueza e o conhecimento dos judeus do Suriname fizeram pilares da sociedade. 

Enquanto em todo o mundo no século XVIII os membros das comunidades judaicas eram proibidos de portar armas, em Jodensavanne existia um exército judeu e uma guarda civil, que defendiam o povo dos ataques de quilombolas e corsários. Todos os colonos homens adultos eram obrigados a participar das forças de segurança. A Companhia das Índias criou varias milícias, organizadas de acordo com a origem da população. De todas as divisões de defesa no país, a milícia judaica funcionou melhor. Estava relacionado ao fato de que eles tinham intenções de ficar, prosperar e o seu compromisso maior com a nação judaica, que tinham de defender. 

Por volta do século XIX, porém, a maioria dos judeus que vivia em Jodensavanne começou um movimento de mudança para a capital, Paramaribo, devido ao declínio da indústria da cana e aos constantes ataques de corsários e piratas. O mais famoso foi o infame corsário francês Cassard. Essas ações eram devastadoras para as economias de todos os proprietários de plantações, assim como também para os judeus, que eram muito visados devido à situação mais próspera. Com isso tinham que pagar a maior parte das exigências dos corsários. Enormes quantidades de dinheiro açúcar, ouro, usinas inteiras e muitos escravos eram exigidos nos saques dos piratas. Além disso, a falência do banco da Casa Deutz, em Amsterdã, em 1773, levou muitos fazendeiros a abandonar as atividades. Esse êxodo se tornou intenso depois de um grande incêndio em 1832, onde praticamente destruiu toda a comunidade e que fez com que a comunidades acabasse por deixá-la abandonada e desolada. A aldeia de Jodensavanne caiu no esquecimento e a natureza seguiu seu curso.

A lembrança

Ruinas da Sinagoga  Beracha Ve Shalom

Os cemitérios de Jodensavanne e Cassipora são de grandeza excepcional. O cemitério de Cassipora conta 216 lápides. O mais antigo túmulo data de 1667. O cemitério de Jodensavanne tem cerca de 452 sepulturas. Um grande número de pedras é de mármore importado da Europa, outras sepulturas são feitas de tijolos. Algumas pedras são ornamentadas e executadas com arte e grande esmero. As inscrições estão em Espanhol, Português, holandês e hebraico. O terceiro cemitério de Jodensavanne é chamado cemitério Africano ou Crioulo, que foi originalmente estabelecido na periferia do assentamento de Jodensavanne. Este cemitério conta com cerca de 141 túmulos, mas apenas 36 foram identificados durante o levantamento de 1998, guiado por Rachel Frankel. 

A sinagoga e os três cemitérios são os monumentos principais em Jodensavanne. As fundações da sinagoga revela todo o seu seu plano e estão em boas condições, dando uma idéia clara de sua magnitude. Os poços naturais ainda estão lá e a linha de defesa no Posto Gelderland é reconhecível. 
Lápides do Cemitério de Jodensavanne

Jodensavanne é um patrimônio coletivo e é detentora de muitas narrativas e mistérios que ainda serão revelados. Conhecer toda a história de Jodensavanne será um passo importante, para o conhecimento da vida dos judeus nos primórdios do Novo Mundo.

Veja maquetes da Sinagoga e outras imagens aqui: Maquetes

Texto baseado em vários artigos do Projeto Jodensvanne além de textos e livros escritos sobre o assunto.

2 comentários:

Franco Mermoz disse...

Parabéns Leco! Grande trabalho sobre um tema que muito pouco se fala ou nada se fala. Eu particularmente nunca tinha ouvido falar de Jodensavanne, nem imaginava que os judeus tinham essa participação tão ativa na vida do Suriname.

Victor Simon disse...

Fantástico! Parabéns pelo trabalho!